domingo, 19 de maio de 2013

Sem aviso.

Solidão. É esta a sensação com a qual acorda todas as manhãs. Levanta-se, sem grande dificuldade. Não quer saber. O sono não existe, tal como já se esgotou a energia. Resta a apatia.

A caminho da casa de banho espreguiça-se e coça a cabeça. Boceja. Baixa as cuecas e senta-se na sanita sem fechar a porta. Para quê? Só tem o cão como companhia, no eco em que se tornou aquele apartamento.

Segue para o duche sem ligar o esquentador. O corpo molhado. O frio. O gelo. Só quer sentir alguma coisa. Acordar. Ao olhar fixamente para o chuveiro pensa nos dias passados no parque de campismo. Nos banhos de mangueira. Nos pés descalços naquele chão de pedra. Não percebe de onde vêm essas memórias, assim, sem serem chamadas. Teria sido feliz naquela altura? Não se consegue lembrar do que sentia. Apenas das sensações...o cheiro característico. As pequenas pedras que cobriam todo o espaço do parque. O barulho...os passos...a sensação de conforto e segurança. Preferia mil vezes acordar com o ressonar do avô a meio da noite...do que com os pesadelos que viriam anos mais tarde. Adorava acordar ao nascer do sol, com o cantar dos pássaros. À noite sentava-se lá fora. A olhar para as estrelas. A ouvir o silêncio do murmurar das tendas vizinhas. E era tão bom fechar os olhos quando o sono vencia a sua batalha diária.

Já tem a pele enrugada. Que estupidez. Lembrar-se desses tempos. Passou tanto tempo que tem dúvidas que aquelas memórias sejam reais. Sai da banheira e enrola-se numa toalha, ainda a tremer. Vai directa à janela, assim, de cabelo molhado e pés descalços.

Precisa de um cigarro. O primeiro, de muitos que virão ao longo do dia.

E a mala que está tão longe. Alcança-a, pega rapidamente no maço e acende o cigarro. Deita-se na cama, nua, a fumar.

Cérebro idiota. Porque é que havia de se lembrar daquelas coisas? Não têm significado nenhum. Não importam. Não voltam...

...

não voltam...

Fuma. Lentamente. Com calma. Aprecia cada segundo daquele momento perfeito. É o mais próximo de perfeição que teve nos últimos meses.

Perfeição...

Sorri. Fecha os olhos. Permite-se viajar no tempo durante uns minutos.
  

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Quem sou eu?

Hoje beijei outra pessoa. Não sem me sentir terrivelmente culpada. E dou por mim a pensar: como é que sou capaz de fazer uma coisa destas? De o atraiçoar desta maneira? É como se entrasse num estado de embriaguez e, por momentos, me esquecesse da sua existência. Tenho medo. De mim própria.

Carta de condução

Tenho 26 anos e ainda não tirei a carta de condução. Nem é que precise de aprender a conduzir. Mas nunca formalizei esta minha aptidão. Não tenho documentos que o comprovem, digamos assim.

Mas não pode ser. Tenho que deixar de adiar e colocar a carta no topo das minhas - muitas - prioridades. O facto é que já bati com o carro uma série de vezes. Sempre coisas relativamente ligeiras, claro. E sempre sozinha. As paredes, as bermas e os postes...são os meus grandes inimigos.

Sim. Tenho um carro. Só me falta mesmo a carta. No fundo, talvez não a queira. A adrenalina é maior quando podemos ser apanhados a qualquer momento. Em qualquer situação nesta vida...é assim que funciona.

Quanto à sorte que faz com que eu nunca seja apanhada? Essa não falha. Pelo menos...até ver. 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O meu nome

Eva. Quando nasci, deram-me este nome. Uma autêntica maldição, diria eu. Não me posso apresentar a ninguém, sem ouvir algum tipo de comentário religioso ou pseudo-humorístico. As beatas não me suportam. Não sou digna de tal título. Outras acham apropriado. Afinal...representa a condenação do homem a uma existência mortal e, consequentemente, miserável. Um nome indicado para alguém como eu.
Pobre Eva. A outra, de antigamente. A única coisa que fez foi comer uma maçã...tivesse ela existido.
Eu existo. A minha história...ainda não foi contada.